Um áudio obtido pelo ge revelou esquema de comercialização clandestina de camarote do Morumbis em dias de shows, com envolvimento de Douglas Schwartzmann, diretor adjunto de futebol de base do São Paulo, e Mara Casares, ex-esposa do presidente Julio Casares e atual diretora feminina, cultural e de eventos. Na gravação, Schwartzmann admite que ele e outras pessoas ganharam dinheiro.
Na manhã desta segunda-feira, os dois pediram licença dos seus cargos, e o clube afirmou que “realizará a devida apuração dos fatos. E com base nessa análise, adotará as medidas que se mostrarem necessárias”.
Na conversa, o diretor da base afirma também que Mara Casares recebeu do superintendente Marcio Carlomagno o camarote e comercializou ingressos do show da Shakira, em fevereiro deste ano. Carlomagno é braço direito de Julio Casares e principal nome da situação para eleição de 2026.
O camarote que motivou a gravação e um processo judicial ao qual o ge teve acesso foi o 3A, no setor leste do estádio. Em documentos internos do clube, esse espaço consta como “sala presidência”. O local fica em frente ao escritório de Julio Casares e é utilizado para reuniões e até entrevistas.
O esquema
O direito ao uso do camarote, segundo o áudio, foi repassado pelos dirigentes a Rita de Cassia Adriana Prado, intermediária no esquema e a terceira pessoa que aparece na conversa. Era ela a responsável pela exploração do espaço e vendeu ingressos, que chegaram a custar até R$ 2,1 mil cada na apresentação da cantora colombiana. Apenas com o camarote 3A, o faturamento seria de R$ 132 mil.
Adriana, porém, se transformou em um problema para Mara e Douglas nos meses seguintes. No dia 10 de junho, a empresa dela, The Guardians Entretenimento Ltda., entrou com uma ação na 3ª Vara Cível de São Paulo contra Carolina Lima Cassemiro, da Cassemiro Eventos Ltda.
No processo, Adriana diz que Carolina pegou de suas mãos sem autorização um envelope com os 60 ingressos do camarote 3A do Morumbis, no dia 13 de fevereiro, data da apresentação de Shakira. Carolina alega que foi enganada, é vítima e que teve prejuízos, além de estar sendo caluniada por Adriana.
De acordo com Adriana, os ingressos tinham sido comprados pela empresa de Carolina por R$ 132 mil, mas apenas R$ 100 mil foram pagos. Por isso, ela alega que não quis entregar o envelope no dia do show, nos corredores do estádio.
Adriana registrou um Boletim de Ocorrência na 34ª Delegacia de Polícia de São Paulo. Com a Justiça envolvida na história, Douglas e Mara passaram a pressioná-la para retirar a ação antes que o caso fosse descoberto.
– Você nunca soube que aquilo era feito de forma clandestina? A palavra é essa. Ou você não sabia? Você sabia ou não? – questionou Douglas Schwartzmann, durante a conversa por telefone com Adriana.
– Nós três sabemos como foi feito. Você não é boba, nem eu nem ninguém. Isso foi feito de forma indevida. De forma não normal. Não é normal. Foi feito um favor. E você está gastando um favor, queimando as pessoas que te ajudaram. O erro seu lá atrás deu um prejuízo, acabou. Não tem recuperação, querida. Não tem. Todo mundo perdeu ali. Agora, você quer prejudicar a Mara e o Marcio? É isso? – reforçou Douglas.
Em outros momentos da ligação, Douglas Schwartzmann admite que Marcio Carlomagno estava ciente de tudo o que acontecia e se preocupa com o que pode acontecer com o superintendente.
– Eu não tenho camarote lá. Veio de quem? O que vai acontecer: a Mara vai ter que se explicar. Como é que faz no clube a hora que souber que ela te deu um camarote para explorar? Você vai acabar com a vida da Mara dentro do clube. E do Julio, porque ela é (ex) mulher do Julio.
– E o Marcio vai ser mandado embora, porque foi ele quem concedeu o camarote para ela (Mara). Eu não tenho nada com isso, não tenho meu nome em nada. Não peguei camarote nenhum, não tenho nenhum documento lá. Agora, a Mara tem e o Marcio também. Quer prejudicar a Mara e o Marcio? Só queria entender o que você quer fazer com isso.
Mais adiante, Douglas volta a citar Marcio Carlomagno:
– O Márcio Carlomagno, CEO, me perguntou: “já encerrou o processo? O que nós vamos fazer? Eu vou ter que envolver o nome de todo mundo aqui, vou ter que declarar a verdade”. Acabou de me mandar. Eu falei: “não, fica tranquilo que a Mara está conversando com a Adriana, e ela vai retirar o processo”. Acabei de escrever. Aí você faz o que você quiser, eu não posso fazer mais nada. Eu não tenho como me envolver nisso.
Douglas insiste para que Adriana entenda que o esquema será descoberto por causa do processo contra a empresa de Carolina.
– Eu vou explicar de novo: você comprou ingresso para vender para quem e de onde? Do camarote “X”. Como é que você tinha esse camarote para vender? Porque ela (Carolina) vai falar que comprou do camarote tal, vai mostrar o contrato. É tudo fictício, querida! Você acha que vai ganhar o quê? Aquilo tudo é uma ficção. Você vai foder com a vida da Mara, e o São Paulo vai ter que declarar que aquele camarote não era comercializado, que foi clandestino e que foi feito tudo de forma errada. Você vai perder e ainda vai foder com a vida dela.
Na ligação sobre o processo por causa do camarote do show da Shakira, o diretor adjunto de futebol de base do Tricolor sugere diversas vezes que Adriana ligue para o advogado dela para encerrar a briga judicial. No processo, ela é representada por Karoline Moraes.
– Seu advogado sabe que é tudo clandestino? Quer que eu explique para ele como você obteve esse negócio? Você quer que eu ligue para o seu advogado e explique que você não tinha direito de comercializar aquilo? Porque você sabe que não tinha. Eu, você e a Mara sabemos.
Adriana, então, responde:
– O que eu sei é que vocês me dão um camarote e eu posso passar para algumas empresas, alguns patrocinadores.
Em outro momento da ligação, Douglas assume que “ganhou” com o repasse de camarotes. No áudio, porém, apenas o espaço no show da Shakira é discutido entre o trio.
– E vou repetir uma coisa. Você é uma pessoa que a Mara confiou. Eu só entrei nisso porque a Mara me garantiu que você era de total confiança. Desde o primeiro dia que eu te falava isso. Não podemos fazer coisa errada aqui. Então, teve negócio que você ganhou dinheiro, eu ganhei, todo mundo ganhou. Mas foi feito tudo na confiança. Coisa errada? Errou, tem que comer com farinha. Não tem jeito, querida. Não tem outro jeito. Não tem outro jeito. Não tem.
A preocupação principal de Mara Casares é com sua reputação no São Paulo. Ela dá a entender que conhece Adriana há bastante tempo:
– Se você puder fazer esse favor, eu vou agradecer bastante, e a gente dá continuidade na nossa vida da forma que sempre foi, com uma relação de confiança, com respeito, porque foi o que eu fiz a vida toda com você. Não quero mudar esse percurso da nossa amizade que a gente construiu. Eu preciso da sua ajuda. Nunca pedi nada para você, e agora estou precisando muito mesmo da sua ajuda. Isso interfere em uma série de coisas, não é uma coisinha simples.
Postulante à presidência nos últimos anos, a diretora admite que tem aspirações maiores e que será prejudicada se o processo chegar a ela. Por enquanto, não houve nenhuma citação aos diretores do Tricolor na Justiça.
– Adriana, posso falar? Vou pedir e já pedi hoje encarecidamente. Retire esse processo, por favor. A única prejudicada serei eu. E mais, serei eu, esse processo dará tanta volta, tanta volta, serão anos e anos, eu estarei fodida e você não vai ter recebido. Essa vagabunda com quem você tratou foi vagabunda, só que o que adianta eu falar que ela foi vagabunda? Que isso e aquilo? Para a gente ter futuro, a gente precisa limpar o presente.
– Eu estou percorrendo dentro do São Paulo um caminho profissional de futuro para assumir coisas grandes. E eu vou ser prejudicada. Só isso. Eu falei isso para vocês sempre. Não podemos ter problema. Não podemos ter problema. Eu sempre te falei isso – disse Mara.
A ligação foi gravada antes da sequência de shows no Morumbis de setembro a novembro. Douglas, inclusive, alerta para a possibilidade de a “parceria” deles acabar antes das exibições de Imagine Dragons, Dua Lipa, Linkin Park e Oasis.
– O que eu falei é que nós fizemos um negócio fora do padrão para te ajudar, ajudar a Mara e a mim. É a única verdade desta história. E agora o que você está fazendo? Prejudicando todo mundo. Eu não falei nada, ao contrário. A gente estava tentando resolver, porque tem cinco ou seis shows em novembro, se não me engano, agosto – alertou Douglas.
Em uma das tantas tentativas de encerrar o processo, o diretor adjunto de futebol de base do São Paulo alerta para a possibilidade de Mara ser prejudicada e pergunta se é isso que Adriana quer.
– É uma decisão sua, Adriana. É isso que a Mara quer saber. Se você vai foder ela ou se você vai ajudar. Só isso – disse Douglas.
– Não pretendo ferrar ninguém – rebateu Adriana.
– Ela não ouviu de você até agora: “Mara, vai ficar em casa sossegada, vai trabalhar, cuidar da sua vida, que eu vou encerrar o processo”. Se você não consegue responder isso, a gente já entende o que vai acontecer. Não tem meia conversa nisso, não temos que enrolar as pessoas, Adriana.
– Não dá para ficar enrolando, não é assim que a gente trata as coisas. A gente tem que ser direto. Mara, não vou retirar. Mara, vou retirar, sou sua amiga, você me ajudou e não vou te foder. É só isso que você tem que responder para ela ou ser honesta: “não vou retirar, foda-se você” – disse Douglas.
Preocupado com a possibilidade de Mara ser atingida pelos processos, Douglas aconselha a ex-esposa de Julio Casares:
– Mara, vou te dar um conselho, com todo respeito. Se não sair esse processo, você vai ter que testemunhar contra a Adriana. Você vai falar que não teve participação, que você nunca deu nada, que você foi lesada. Que nem sabia disso. Vai ter que ficar do lado da outra lá.
Durante a conversa, Adriana, Mara e Douglas não deixam claro há quanto tempo faziam negócio nem quantos camarotes foram negociados no período.
O que dizem os citados
O São Paulo, em nota enviada à reportagem, confirma que o camarote 3A é de responsabilidade do clube, mas afirma que no dia 13 de fevereiro, data da apresentação de Shakira no Morumbis, ele estava reservado à diretoria feminina, cultural e de eventos, de responsabilidade de Mara Casares.